sexta-feira, dezembro 27, 2013

Entre risos e lágrimas

Entre risos e lágrimas
Por Dani Garcia


Um calor de quase 40 graus deixa o dia lindo neste pequeno pedaço de terra onde me encontro. Lindo e quente. Quente e temperado de um suor que movimenta as glândulas do corpo. Ficamos um pouco lentos, é bem verdade. Os pássaros pouco circulam, as plantas permanecem inertes, as árvores pouco balançam, apesar do frescor de estar à beira mar, os pensamentos correm lentos.
O suor escorre pela testa a mostrar que meu corpo vive, e naturalmente se encontra com o suor de meus olhos, que me mostram também que minha alma vive. Uma Primavera tardia em meio ao verão, a mostrar que toda a poda é essencial para um novo brotar. Não tenho mais tempo para dormências longas, períodos grandes de retração e tristeza. As folhas choram ao serem cortadas, ainda que de leve. Não há motivo, porém, para murchar.
O sol que derrete é o mesmo que faz crescer. A lágrima que escorre solitária, é a mesma que há pouco fez o coração bater. Enfim, o corpo está vivo, a alma está viva a buscar novos ares, novos rumos, novos desafios. Não é tempo de reclusão. A vida segue, como seguem risos e lágrimas, a depurar o espírito, a mostrar o caminho do meio. Um eterno gotejar de ternura e encantamento.
Pela primeira vez, em um longo período de existência, dessa existência, sou feliz. Não estou, nem me sinto estar, nem vou estar. Sou. Porque me encontro no universo de mim mesma, feliz com o que me tornei. Não é uma obra acabada, é bem verdade. Todo ninho que serve a passarinho novo, sempre tem algo para se modificar, acrescentar o que a tempestade e o vento levaram.  Um constante montar e desmontar, mas com uma disciplina e consciência de estar fazendo o certo.

E assim, entre risos e lágrimas, entre tempestades e bonanças, a vida segue neste canto de país. Neste canto de mim mesma, que tem espaço sempre para novas alegrias. Um banho de mar me chama, refrescante de corpo e alma. Para lavar dores e revigorar energias. O ano nem iniciou ainda. Há muito por fazer e conquistar!!!!

terça-feira, dezembro 24, 2013

Sobre lembranças e saudades - de vivos e vivos

Sobre lembranças e saudades – de vivos e vivos
Por Dani Garcia

O sol atrás do Morro do Ribeirão ainda não nasceu. Eu perto da janela,  vejo e ouço os passarinhos em alvoroço,  a procura de comida para si e os filhotes. Uma brisa sul movimenta as árvores e limpa o tempo. Me obrigo a ficar perto da janela do segundo andar da casa de meu pai, onde durmo, porque é aqui que a internet pega.
Santa internet. Ao mesmo tempo, me conecta com o mundo e me conecta com a natureza lá fora, já que me faz ter uma visão magnífica do Cambirela, onde a moça ainda dorme eterna escondida pela nuvens, e onde os primeiros raios do sol anunciam um dia especial aqui no sul da Ilha de Santa Catarina. É véspera de Natal. Assim como eu, que longe de casa estou para estar em casa, assim também é com os vizinhos, e a maioria das famílias aqui. Chegam de longe para ficaram perto.
As gaivotas sobrevoam o mar para os primeiros movimentos de vai e vem, em busca do pescador solitário e do peixe que sobra. As gralhas, aracuãs, tucanos e saracuras, vez por outra, também cantam para o mar, do alto do morro do Ribeirão. Perto da Pedra Lisa, deve ser possível ter uma visão completa do canto direito do sul da ilha, até a Ilha do Largo e todo o continente sul. Se o dia está bom, se vê até os passantes lá na BR 101, no morro do Cambirela, a migrarem para o Sul.
Eles não sabem, mas Nossa Senhora da Lapa, a igreja claro, guia seus caminhos por todo esse litoral que minha vista alcança. Não preciso ser católica para acreditar. Há mais de dois séculos a igreja está ali, erguida com óleo de baleia, conectada com o mar e com os fiéis a receber orações, pedidos e desejos. Séculos de história e fé devem fazer alguma diferença e o lugar, santo, também nos devolve suas orações.
Ao lado, o cemitério abriga os mortos. Seus corpos - agora úteis apenas aos vermes. Mas suas almas circulam por todo o Ribeirão, por esse nosso imenso e infinito mar de alegrias, dores e esperança. Não há visão mais linda da freguesia do que de lá, no topo do cemitério velho.
Vou olhar a vista, vou olhar os pássaros que no morro se escondem, e me obrigo também a olhar os túmulos. Minha mãe, minha madrinha, meus avós e tios, minha ancestralidade ali reunida em corpo. Nos os vejo lá, é bem verdade, porque há muito acredito que em cemitérios enterramos corpos, e no coração libertamos ainda mais a alma dos entes queridos, que em outro plano ainda vivem. Poderia ter dito que sepultamos no coração as lembranças, mas elas também não são estáticas, estão na boca de todos nós, soltas no ar, e nos corações queridos vagueiam.
Se os sanhaçus, sabiás, canários e rolinhas pousam no quintal a espera de comida, também em nós as lembranças pousam de vez em quando, a pedir alimento. Se somos passarinheiros, já é natural alimentar os pássaros. Precisamos agora é ser passarinheiro da vida. Deixar virem as lembranças vez por outra, alimentá-las, mas sabê-las deixar ir embora, leves, soltas como os pássaros, para que o canto não entristeça ainda mais os corações um dia partidos pela dor, pela ausência, pelo nosso egoísmo.
Tristeza não e possível colar, refazer, não se regenera sozinha no coração. É preciso que uma alegria entre no peito e vá preenchendo os vazios. E quem ama tem sempre vazios a preencher....eles nunca acabam. Como diz Rubem Alves, sabiamente, “A vida precisa de vazios... Bonitas são as pessoas que falam pouco, a essas pessoas é fácil amar. Estão cheias de vazio, e é no vazio da distância que vive a saudade”.
Período de festas de fim de ano é tempo de saudades, de vazios. Um amigo irmão que ao longe vive, mas que apenas podemos senti-lo , um amor que partiu e hoje vive apenas nas lembranças, que vão e vem, soltas, sem matírio ou gaiolas. Um desejo de estar longe, junto a quem queremos bem, ao mesmo tempo que queremos estar perto de quem, também aqui, queremos bem.

 A vida é assim, um vazio entrecortado de preenchimentos. O casal de sabiá já foi embora, deixou o vazio do ninho no quintal a lembrar-nos da liberdade da existência, da magia do preenchimento. Tenho saudade de muitos lugares, pessoas, e coisas. Mais das pessoas. Mas hoje, muito mais do que antes, não é pesar, é contentamento. Uma vida cheia de pessoas, de calor humano, de dores e alegrias, de saudades, é uma vida vivida. Sou passarinho agora. Meu ninho tá pronto, os filhotes crescem e logo já estarão prontos para voar. Meu voo vai recomeçar.

sexta-feira, dezembro 20, 2013

Como a cigarra

Como a cigarra
Por Dani Garcia


É cedo agora, o sol lá fora talvez nem vá aparecer. Não por preguiça, como fazemos nós quando não somos sol, mas para dar vez também à chuva, essencial a nós, às plantas e aos animais. Lá fora, uma cigarra faz seu canto matinal com a chegada do Natal. Um canto alto e forte, depois de um longo período embaixo da terra.
Não por coincidência, mas por necessidade talvez, no computador reproduzo no mesmo instante a canção que adoro de uma poeta argentina, na voz de la negra Mercedes Sosa, “Como la cigarra”. Uma belíssima canção e um tanto quanto inspiradora. A curiosa cigarra impõe seu canto na natureza, como anunciando as boas novas depois um período de união e amor.
Não conhecia a história desse inseto tão comum em nossa região. Nem mesmo tinha visto uma de perto, até esses dias. Foi num passeio matinal, desses que faço quase diariamente no meu quintal, que segui seu canto forte. Parecia estar muito perto, e estava! Pude encontrá-la no tronco de minha jabuticabeira.  Estava ali, parada, impondo seu canto espetacular e quase ensurdecedor. Registrei o momento para mostrar também aos meus filhos. Para que não demorassem tanto tempo para conhecê-la, assim como eu.
Fui agraciada por ver aquela cigarra. Porque, como descobri depois de uma boa pesquisa, cigarras têm seu desenvolvimento completo entre 1 a 17 anos. E nesse período de maturação, ficam enterradas. As adultas, como a que vi, habitam árvores e plantas para alimentar-se. Foi uma surpresa emocionante. Se pequenos seres como a cigarra podem permanecer soterrados em suas ninfas até estarem prontas, maduras para vir à luz, também nós podemos nos desenterrar, renascer de nossos males - que parecem eternos.
 Fiquei ainda mais feliz com o registro por entender que ali, bem na minha frente e sob o foco de minha câmara, estava um ser que poderia ter mais idade que meus filhos. E ainda sim, depois de toda a sábia reclusão que  Deus lhe impôs através da Natureza, ela retorna firme e forte, linda, em busca da vida.
Assim também somos nós. Somos cigarras vez por outra. Nos enterramos por amor, por ódio ou por outros sentimentos, e por vezes achamos que nunca mais vamos recuperar a vida e o fôlego de viver. O que precisamos compreender é que esse período de soterramento e ‘morte’ nos ensina a sermos mais fortes, mais firmes, mais vivos do que nunca. O período pode ser menor ou maior para muitos, mas não virá antes do essencial amadurecimento, sob pena de não termos força nem sabedoria para viver a graça da vida.


O Natal se aproxima aqui no sul do país, trazendo a mensagem de nascimento, renascimento, de união e amor. Um momento que muitos aproveitam para repensar suas vidas, tomar decisões e buscar a luz, assim como a cigarra. Não sei por quanto tempo cada um passou seu período de reclusão, de amadurecimento ao longo de sua breve vida. Sei que somos cigarras vez por outra e, agora, meu tempo é de cantar. 

quarta-feira, dezembro 18, 2013

Sobre filhos e filhotes!

Sobre Filhos e Filhotes
Por Dani Garcia

Era uma manhã amena de fim de Primavera em Balneário Piçarras, uma cidade de pouco menos de 20 mil habitantes no litoral deste imenso Brasil. Pelo meu quintal, dezenas de pássaros comiam, passavam ligeiros ou apenas descansavam nas inúmeras árvores frondosas que mantenho, apesar dos constantes conselhos para cortá-las, afinal , dão muito trabalho com folhas, galhos e um crescimento muito grande.
Olhei pela janela de repente, para escutar mais de perto um piar diferente, vindo da mata ao lado. Costumeiramente, sempre que um som diferente de pássaro entrava pela janela ou mesmo pela porta de casa, a câmera era acionada rapidamente e eu partia para o jardim, ávida por mais registros especiais. Desta vez, olhei primeiro antes de pegar a câmera, e eles estavam lá. Dois jovens sabiás-poca pulavam aqui e ali sobre a grama aparada.
Ao aparecer na janela eles se entreolharam rapidamente, e me olharam ressabiados. Não se moveram, não fizeram sequer um movimento brusco ou um voo impensado. Ficaram ali, com aquele olhar de lado, me observando e esperando por mim. Sabiam os dois voar, podiam ter feito isso, mas se arriscaram a ficar ali, com o coração pulsando forte e desafiando o perigo que eu podia lhes oferecer.  Não vi os sabiás adultos, talvez nem estivessem por perto.
Saí de fininho, peguei a câmera e voltei com ela já preparada para o registro. Olhei de leve na janela. E eles ainda estavam lá, um pouco mais à frente, mas ainda pulando, ciscando algo perdido no jardim. Me olharam, ficaram imóveis por um tempo e voltaram aos afazeres de comuns pássaros ‘adolescentes’.
Ao olhar pela última vez esses dois filhotes, lembrei  dos meus. Não estavam em casa no momento, já sabiam voar para longe para as brincadeiras e passeios de adolescência. Um frio danado me passou pela barriga. Uma dor aguda que só as mães sabem sentir. Percebi que também eles poderiam, muitas vezes, ser os sabiás jovens da vida. Estarem longe de casa, desafiando o perigo sem se importarem com as consequências. E eu, distante, talvez nem soubesse por onde andavam ou voavam. Um necessário livre arbítrio que aprendemos a conferir-lhes com os anos - a duras penas-, mas que não nos cansamos de querer reeditar a nosso gosto.
Lembrei das sábias palavras de Rubem Alves, quando decretou a dor eterna e inevitável das mães. Diz ele que “Amar é ter um pássaro pousado no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele pode voar”. Amo os pássaros, amos os filhos, e essa liberdade que vem com o amor nos ampara, nos fortalece e nos faz criar raízes profundas e nos causa essa gestação eterna, essa briga interna constante e avassaladora entre o prender e o ensinar a voar.


No momento desse último pensamento, o sol deu um brilho inesperado no quintal, e um pica-pau-do-campo gritou alto, bem abaixo da jabuticabeira. Ficou ali, ciscando e comendo nem sei o quê. Era o chamado da vida para a realidade. Tomei fôlego, dei um suspiro, peguei a câmera e fui registrar o pássaro. Era mais um, das dezenas de registros que já fiz dessa espécie. Mas, não importa! Não era esse pica-pau, não era nesse momento especial, para humanos e aves.

terça-feira, dezembro 17, 2013

Detalhes de uma manhã de Verão

Depois de um longo tempo sem postar textos aqui, vai uma reflexão matinal!!!

Detalhes de uma manhã de Verão
Por Dani Garcia


São seis e trinta da manhã. O dia já clareou. Os poucos carros pela rua revelam que ainda é cedo para acordar. As aulas na escola ao lado já terminaram e aquele vai e vem de crianças, jovens e adultos não vai acontecer hoje. Preparo a mesa para o café, os filhos dormem, dou ração e água para a cachorra e preparo o trato dos passarinhos.
Com uma xícara de café bem quente, pouco leite, nada de açúcar, me sento no banquinho já estrategicamente posicionado nos fundos de casa, com vista para o quintal, e me ponho a observar o vai e vem dos passarinhos. Pousam aqui e ali, num constante movimento atrás do benefício diário da alimentação sem muito esforço.
Alguns sanhaçus, mais ariscos e ressabiados, param em galhos bem acima das primeiras árvores só para me observarem. Será que ela vai se mexer? Será que vai nos apanhar? Que perigos vai nos oferecer? Uma incerteza e um medo que, porém, não tiram a vontade de descer para comer a banana bem postada no comedouro, ou entre os galhos das árvores.
Eles temem, mas descem, na certeza de que o risco compensa o prazer de uma banana madura para alimentar-se e alimentar seus filhotes. E assim fazem, diariamente neste meu pequeno paraíso, os tico-ticos, saís, gaturamos, suiriris, bem-te-vis, sabiás, tiés, vira bostas, aracuãs, saracuras, guaracavas, cambacicas, pardais, rolinhas e ainda uma dezenas de espécies esporádicas.
Amo os pássaros. Não me canso de olhá-los. Em cada joão-de-barro que cisca no quintal uma particularidade, um andar, um canto diferente. À primeira vista, todos parecem iguais. Não são! O beija-flor não para para beber o néctar que coloco diariamente sob a árvore. Num ritmo frenético de bater de asas, se alimenta em movimento mesmo, porque não pode perder tempo para conversar ou posar para fotos. Quisera eu ter uma câmera melhor para capturar e eternizar todos os momentos que os olhos conseguem captar! O cheiro do jasmim-manga se mistura, docemente, com o cheiro do verde da bem cortada grama, exalando um perfume de natureza excepcional.
Já não olho o meu quintal como antes! O garapuvu do terreno ao lado, imponente, sorri para mim do alto do seu esplendor. O pé de cortiça está ali, firme e forte apesar de velho, a abrigar os viajantes dos céus. (E quantas maravilhas ali já pousaram!). A alamanda já colore de amarelo o verde gramado, com seus galhos pendendo de tanto encantar.
As laranjeiras, limoeiros e tangerineiras já se preparam para uma nova safra de delícias. Os pessegueiros, apressados, agora deixam cair os últimos frutos ainda tímidos. O tapicuru atravessa o céu como uma lança, com seu bico fino e comprido a preparar o pouso em um lugar especial.
No fundo do quintal, observo os pés de quaresmeira a colorirem o verde da mata baixa. Enquanto o galo da vizinha, preso e triste, canta a sua música matinal e pesarosa -“tô ferrado...”. O sol ainda tímido, não saiu, dando até um trégua para os que, a pé, vão ao trabalho em busca do sustento. Faz calor nesses dias de dezembro em Balneário Piçarras, neste pedacinho pequeno de terra do Brasil, à beira-mar.
Meu coração bate preocupado, ansioso pelos novos desafios que virão. Mas, ao mesmo tempo, percebo a beleza de experiências que me reservam para o próximo ano. O maior contato com a família querida, os novos desafios da profissão, as coisas do coração. Os desafios da vida em sociedade, com as entidades  carecendo de apoio e braço disposto ao trabalho.
Suspiro fundo e o cheiro da natureza me dá novo ânimo. A andorinha que sobrevoa  me faz querer alçar novos voos também. Mas, como terra que sou, o voo não será alto e rápido demais, porque não posso perder o foco nas raízes da terra. Sim, nas raízes, porque ainda sou humana. Os estudos ajudam na compreensão do alto, na certeza da imortalidade e na necessidade de elevar-se. Mas, é aqui ainda que estão as paixões, o cuidado com os filhos, as necessidades diárias de quem, como eu, ainda tem muito por fazer e resgatar.
As horas passam, a câmera ao lado ficou parada. Sequer uma foto para registrar a manhã. Mas, para quê? Os olhos capturam o meu momento, único e intransferível. A minha visão do meu quintal. Um mergulho em mim mesma. As horas passam e um cantar diferente me chama atenção. A ave está lá, majestosa a cantar no galho bem alto do pé de cortiça.

Retiro tudo o que disse sobre registrar o momento único. Ele é único sim, mas não posso deixar de compartilhar com quem, diferente de mim, não tem esse privilégio de ter a beleza ao seu redor. Levanto tiro a foto, nem sei ainda que espécie é. Pesquisarei! Mas, enfim, olho o relógio e é hora de começar o percurso dos dias. Obrigada, senhor, por mais um dia!