Como a cigarra
Por Dani Garcia
É cedo agora, o sol lá fora talvez nem vá aparecer. Não por
preguiça, como fazemos nós quando não somos sol, mas para dar vez também à
chuva, essencial a nós, às plantas e aos animais. Lá fora, uma cigarra faz seu
canto matinal com a chegada do Natal. Um canto alto e forte, depois de um longo
período embaixo da terra.
Não por coincidência, mas por necessidade talvez, no
computador reproduzo no mesmo instante a canção que adoro de uma poeta argentina, na voz
de la negra Mercedes Sosa, “Como la
cigarra”. Uma belíssima canção e um tanto quanto inspiradora. A curiosa
cigarra impõe seu canto na natureza, como anunciando as boas novas depois um período
de união e amor.
Não conhecia a história desse inseto tão comum em nossa
região. Nem mesmo tinha visto uma de perto, até esses dias. Foi num passeio
matinal, desses que faço quase diariamente no meu quintal, que segui seu canto
forte. Parecia estar muito perto, e estava! Pude encontrá-la no tronco de minha
jabuticabeira. Estava ali, parada,
impondo seu canto espetacular e quase ensurdecedor. Registrei o momento para
mostrar também aos meus filhos. Para que não demorassem tanto tempo para conhecê-la,
assim como eu.
Fui agraciada por ver aquela cigarra. Porque, como descobri
depois de uma boa pesquisa, cigarras têm seu desenvolvimento completo entre 1 a
17 anos. E nesse período de maturação, ficam enterradas. As adultas, como a que
vi, habitam árvores e plantas para alimentar-se. Foi uma surpresa emocionante.
Se pequenos seres como a cigarra podem permanecer soterrados em suas ninfas até
estarem prontas, maduras para vir à luz, também nós podemos nos desenterrar,
renascer de nossos males - que parecem eternos.
Fiquei ainda mais
feliz com o registro por entender que ali, bem na minha frente e sob o foco de
minha câmara, estava um ser que poderia ter mais idade que meus filhos. E ainda
sim, depois de toda a sábia reclusão que Deus lhe impôs através da Natureza, ela
retorna firme e forte, linda, em busca da vida.
Assim também somos nós. Somos cigarras vez por outra. Nos
enterramos por amor, por ódio ou por outros sentimentos, e por vezes achamos
que nunca mais vamos recuperar a vida e o fôlego de viver. O que precisamos
compreender é que esse período de soterramento e ‘morte’ nos ensina a sermos mais
fortes, mais firmes, mais vivos do que nunca. O período pode ser menor ou maior
para muitos, mas não virá antes do essencial amadurecimento, sob pena de não
termos força nem sabedoria para viver a graça da vida.
O Natal se aproxima aqui no sul do país, trazendo a mensagem
de nascimento, renascimento, de união e amor. Um momento que muitos aproveitam
para repensar suas vidas, tomar decisões e buscar a luz, assim como a cigarra.
Não sei por quanto tempo cada um passou seu período de reclusão, de
amadurecimento ao longo de sua breve vida. Sei que somos cigarras vez por outra
e, agora, meu tempo é de cantar.
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