Sobre lembranças e
saudades – de vivos e vivos
Por Dani Garcia
O sol atrás do Morro do Ribeirão ainda não nasceu. Eu perto
da janela, vejo e ouço os passarinhos em
alvoroço, a procura de comida para si e
os filhotes. Uma brisa sul movimenta as árvores e limpa o tempo. Me obrigo a
ficar perto da janela do segundo andar da casa de meu pai, onde durmo, porque é
aqui que a internet pega.
Santa internet. Ao mesmo tempo, me conecta com o mundo e me
conecta com a natureza lá fora, já que me faz ter uma visão magnífica do
Cambirela, onde a moça ainda dorme eterna escondida pela nuvens, e onde os
primeiros raios do sol anunciam um dia especial aqui no sul da Ilha de Santa
Catarina. É véspera de Natal. Assim como eu, que longe de casa estou para estar
em casa, assim também é com os vizinhos, e a maioria das famílias aqui. Chegam
de longe para ficaram perto.
As gaivotas sobrevoam o mar para os primeiros movimentos de
vai e vem, em busca do pescador solitário e do peixe que sobra. As gralhas,
aracuãs, tucanos e saracuras, vez por outra, também cantam para o mar, do alto
do morro do Ribeirão. Perto da Pedra Lisa, deve ser possível ter uma visão
completa do canto direito do sul da ilha, até a Ilha do Largo e todo o
continente sul. Se o dia está bom, se vê até os passantes lá na BR 101, no
morro do Cambirela, a migrarem para o Sul.
Eles não sabem, mas Nossa Senhora da Lapa, a igreja claro,
guia seus caminhos por todo esse litoral que minha vista alcança. Não preciso
ser católica para acreditar. Há mais de dois séculos a igreja está ali, erguida
com óleo de baleia, conectada com o mar e com os fiéis a receber orações,
pedidos e desejos. Séculos de história e fé devem fazer alguma diferença e o
lugar, santo, também nos devolve suas orações.
Ao lado, o cemitério abriga os mortos. Seus corpos - agora
úteis apenas aos vermes. Mas suas almas circulam por todo o Ribeirão, por esse nosso
imenso e infinito mar de alegrias, dores e esperança. Não há visão mais linda
da freguesia do que de lá, no topo do cemitério velho.
Vou olhar a vista, vou olhar os pássaros que no morro se
escondem, e me obrigo também a olhar os túmulos. Minha mãe, minha madrinha,
meus avós e tios, minha ancestralidade ali reunida em corpo. Nos os vejo lá, é
bem verdade, porque há muito acredito que em cemitérios enterramos corpos, e no
coração libertamos ainda mais a alma dos entes queridos, que em outro plano
ainda vivem. Poderia ter dito que sepultamos no coração as lembranças, mas elas
também não são estáticas, estão na boca de todos nós, soltas no ar, e nos
corações queridos vagueiam.
Se os sanhaçus, sabiás, canários e rolinhas pousam no
quintal a espera de comida, também em nós as lembranças pousam de vez em
quando, a pedir alimento. Se somos passarinheiros, já é natural alimentar os pássaros.
Precisamos agora é ser passarinheiro da vida. Deixar virem as lembranças vez
por outra, alimentá-las, mas sabê-las deixar ir embora, leves, soltas como os pássaros,
para que o canto não entristeça ainda mais os corações um dia partidos pela
dor, pela ausência, pelo nosso egoísmo.
Tristeza não e possível colar, refazer, não se regenera
sozinha no coração. É preciso que uma alegria entre no peito e vá preenchendo
os vazios. E quem ama tem sempre vazios a preencher....eles nunca acabam. Como diz
Rubem Alves, sabiamente, “A vida precisa de vazios... Bonitas são as pessoas
que falam pouco, a essas pessoas é fácil amar. Estão cheias de vazio, e é no
vazio da distância que vive a saudade”.
Período de festas de fim de ano é tempo de saudades, de
vazios. Um amigo irmão que ao longe vive, mas que apenas podemos senti-lo , um
amor que partiu e hoje vive apenas nas lembranças, que vão e vem, soltas, sem
matírio ou gaiolas. Um desejo de estar longe, junto a quem queremos bem, ao
mesmo tempo que queremos estar perto de quem, também aqui, queremos bem.
A vida é assim, um
vazio entrecortado de preenchimentos. O casal de sabiá já foi embora, deixou o
vazio do ninho no quintal a lembrar-nos da liberdade da existência, da magia do
preenchimento. Tenho saudade de muitos lugares, pessoas, e coisas. Mais das
pessoas. Mas hoje, muito mais do que antes, não é pesar, é contentamento. Uma
vida cheia de pessoas, de calor humano, de dores e alegrias, de saudades, é uma
vida vivida. Sou passarinho agora. Meu ninho tá pronto, os filhotes crescem e
logo já estarão prontos para voar. Meu voo vai recomeçar.
2 comentários:
Estive aqui,voando com teus passarinhos e tuas lembranças. Foi muito bom estar com você nestas paisagens. Abs!
Bacana tua recordação e lembranças de gentes e aves. Deu mais vontade ainda de estar no Ribeirão! Abração!
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