Hoje acordei e não vi a mariquita de perna clara no quintal.
Seria o 50º dia de avistamento da ave que migrou da América do Norte até
Balneário Piçarras. Será que foi embora? Foi quando me dei conta que os filhos
são como pássaros raros no nosso quintal. A comparação pode não fazer sentido
para a maioria das pessoas, mas quem gosta de passarinho e quem compreende a
vida além da vida pode entender o que digo.
Quando um passarinho que vem de longe te visita, num momento
raro, você se pergunta: Porque ele esteve aqui, justo no meu quintal? Foi
acaso? O que Deus quer me dizer? Assim é com os filhos. Quando eles nascem
também nos perguntamos porque eles vieram pra mim? O que Deus espera de mim?
Porque estes seres estão aqui comigo?
E o pássaro raro no meu quintal me ensinou muitas outras
coisas além do conhecimento de seu voo, sua jornada, sua raridade por
aqui. Você sabe que ele está ali,
diariamente, pra te encantar. Você se maravilha a cada dia com seus pulinhos,
seus pequenos voos, como se movimenta, como se alimenta. Espera todos os dias
que ele cresça, que te encante ainda mais. Mas é um misto de alegria e de certa
dor. Primeiro, porque ele nem sempre desce na árvore que você quer, que você
esperava para tirar a melhor foto. Ele não faz o que você espera. Ele faz o que
acha que tem que fazer. E a pontinha de dor bate pela primeira vez. Depois,
porque sabe que aquele pássaro que está ali, sob seus olhar, pode não estar
amanhã. Ele pode levantar vôo (e vai), o mais alto que puder, e que talvez
parta para sua jornada longa e pode demorar para voltar. E você fica feliz
porque ele vai levantar voo. Vai conquistar o que espera. Mas, fica triste.
Porque no nosso egoísmo, ficamos tristes com a partida dos passarinhos raros no
nosso jardim.
Sim, os filhos são passarinhos raros no nosso jardim. Eles voam,
e vêm de bem longe para aqui ficar. Deus os confiou a nós para que possamos
olhar por eles, alimentar, cuidar do seu caminho, registrar as melhores fotos,
mas deixá-los ser livre. Eles são passarinhos raros que vêm de muito longe, do
plano espiritual, chegam bem no seu quintal para te alegrar, mas eles vêm com
planos, com sonhos, com tempo certo. Por vezes, não adianta querer que fiquem
na árvore que você planeja, porque ele quer outras árvores. Qualquer dia, vão
levantar voo, o de curta distância para a cidade dos planos, o vôo do
amadurecimento, o vôo da liberdade e responsabilidade da idade. Esse é o voo-aprendizado,
tanto para o filho-passarinho que voa, quanto para a mãe que fica, aprendendo a
cuidar do ninho sem a presença dos filhotes.
O voo maior, claro, é o voo de volta para terra Natal. Esse, esperamos
que sempre demore.
Por isso, a mariquita rara que apareceu no meu jardim, quis
me ensinar muito. Ensinou-me a aproveitar sua estadia com o olhar de beleza, de
agradecimento, de esplendor. Ensinou-me a registrar os melhores momentos em
fotos ou vídeos e mesmo na memória dos dias. Me ensinou que a cada dia o dia é
único, e se pode ser o último, que seja intenso e renovador. Não dá pra deixar
escapar momentos assim.
Acho que a mariquita já partiu para a América no Norte. Esse
era seu destino, e espero que não haja novos contratempos no caminho. Mas, se
houver, que aproveite para parar e respirar novos ares. A partida dos meus
passarinhos está pra chegar também. Aos poucos, eles já dão sinais de que o voo
que esperam é alto e libertador. Aprendo a cada dia com as pequenas partidas,
para suportar a saudade da longa jornada. É certo que outros passarinhos raros
vão aparecer no meu jardim. Mas, esses que aqui estão, que foram confiados a
mim, esses são os únicos da espécie. Esses é preciso olhar melhor, ensinar
mais, amar mais, ouvir mais, temer menos. Esses são raríssimos, mesmo assim, um
dia levantarão voo. E que ele seja do tamanho e da distância que quiserem.
Ainda assim, o meu jardim sempre estará aberto para recebê-los!!!
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