segunda-feira, junho 16, 2025

Dia de Novena, dia de História

 

7 de outubro de 2024. 19 horas. Rosa já me espera na esquina da Rua Ludgero Figueredo para chegarmos juntas à casa de seu Ivo e dona Tânia, no número 175, para a novena especial da Festa de Nossa Senhora do Rosário 2024. Adentramos o portão e já na varanda da casa simples, com a mesa grande cheia e umas cadeiras espalhadas, nos chama a atenção as senhoras reunidas, a mesa com a imagem de Nossa Senhora, um rosário estendido, velas e um lindo vaso com olho-de-boneca. Somos recebidas com alegria e já de início nos sentimos em casa. Depois de abraços e um pouco de prosa, sentamos para o início da novena. Ao passar o olhar atento a tudo em volta, sinto um misto de desconexão e pertencimento, de presente a passado. Parecem dois sentimentos contraditórios, mas não pra mim. A minha presença naquele momento, aos olhares dos demais, é apenas uma presença de representar um cargo, um local. “- Tu és de que secretaria? pergunta dona Ana Lucia, a rainha da festa”. “-Da Cultura”, respondo eu. Rosa responde ser da Educação.

Na verdade, não estamos ali nem por uma nem por outra. Estamos pela ligação que nos une de alguma maneira a esta festa centenária. Ainda que por motivos diversos, estamos ligadas à festa e às tradições dos pretos. Volto a olhar em volta e, por segundos (que parece muito mais tempo), observo os homens mais afastados só “de papo”. Na mesa no quintal, três ou quatro senhoras pretas com cadernos e canetas na mão vão finalizando os últimos preparativos da festa, os cálculos de comida, as doações em dinheiro, quem vai dar o quê. Todos os detalhes nas mãos daquelas que já há décadas trazem a festa com devoção e dedicação.

Volto no tempo, exatamente na primeira vez que vi um cortejo da festa em Piçarras, assim que cheguei na cidade, em meados da década de 90. Como jovem estudante de jornalismo e curiosa com as tradições locais, parti para acompanhar o cortejo, que saiu do terreno onde estavam o mesmo casal Ivo e Tânia, mas na esquina entre a Av. Emanoel Pinto e a Rua Alexandre Guilherme Figueredo. Registramos em fotos, eu me lembro, ainda que não saiba mais onde estão esses registros. O colorido, os detalhes das roupas, o grupo de catumbi com suas flores coloridas na cabeça, suas danças e cantos, o cortejo com o andor da santa no ombro dos fiéis até a Igreja Matriz, a missa com sincretismo religioso (uma raridade aceita por poucos padres). Tudo me chamou a atenção e me fez resgatar as raízes perdidas, ou nunca me apresentadas como deveriam. Sim sou negra, ainda que de pele bem clara e de “cabelo bom”, como minha tia Lela, irmã de minha mãe, sempre se orgulhou (na certeza de que a frase, vinda das amarguras do coração, quisessem me dizer – vais sofrer menos do que sofremos, minha filha.) Posso ter sofrido quase nada nesse quesito, mas me afastou muito de quem todas as mulheres da família da minha mãe foram e são, e me mostrou já de pequena o lado cruel da discriminação nada velada.

Depois desse leve piscar de olhos no tempo, dona Conceição chama a todos para o início da novena. Ela, quase uma sumidade em termos de irmandade de Nossa Senhora do Rosário em toda a região, saiu de Itajaí para estar ali, comandando a novena e tudo o que envolve a festa. Ainda que eu não seja católica hoje, minha criação foi em família católica e conheço os rituais dos devotos. Fico esperando a novena iniciar para tentar acompanhar. O que ouvimos de início, porém, foi uma aula de história, de resistência, de luta, e mesmo de desgaste de uma raça que diariamente briga por ser reconhecida em seus direitos, em seus desejos, em sua cultura, sua existência. O lugar de fala de dona Conceição não é de privilégio, é de puxão de orelha. Ela nos apresenta um texto marcado por contextualização política e social, que para muitos soa ruim e faz torcer a boca de desagrado. “Nossa luta é política sim. Não aquela partidária, a de direitos mesmo”, lembra dona Conceição.

Depois do texto introdutório e comentários de muitas mulheres, segue-se a novena, com orações e um canto emocionado da música Nossa Senhora, do Roberto Carlos. As crianças ali acompanham tudo, rezando e ouvindo curiosas o que os pais, tias e todos falavam. O canto é especial, afinal, dia 7 é o dia de Nossa Senhora do Rosário e a casa simples vira templo dos mais iluminados. No rosto dos fiéis ali presentes (pretos ou não), toda a devoção, agradecimento pela vida. “ Não estamos aqui só pra pedir. Já pedimos muito esse ano pra ela, por todas as doenças que enfrentamos. Temos é que agradecer”, reforçou dona Tania. Antes da boa canja de galinha servida pelos anfitriões da noite, o rei e a rainha do Rosário, seu Domingos Ignácio e dona Ana Lucia relatam a satisfação de estar ali, de serem abençoados com o convite, mas seu Domingos um pouco triste de ver sua caminhada política não refletir o desejo de lutar pelas causas da comunidade e também da irmandade e da festa.

Ao ver seu Domingos relatar suas impressões, pisco novamente os olhos no tempo e lembro do seu pai Antônio sentadinho ali na varanda de sua casa de madeira na rua Eleotéria Vieira Figueredo, de boné branco na cabeça, só observando a ainda esparsa vizinhança. Ele não durou muito depois que eu o conheci mas, dizem, foi um grande festeiro e dançante da festa. A dona Olívia Eduarda Cândido, a Dona Cucha, a mãe de seu Domingos, essa eu conheci um pouco mais. Foi minha entrevistada para uma reportagem sobre a Festa do Rosário, a dança de São Gonçalo e algumas outras manifestações da comunidade. Baixinha, magra, de rosto liso e cabelo um pouco grisalho, era ligeirinha pelas ruas da cidade. Uma senhorinha de quase 100 anos que os vizinhos nunca esqueceram e que ainda fazia questão de frequentar os bailes na Associação dos Aposentados. Uma energia que dava inveja.

Nem bem a mente tinha retornado da volta no tempo, ouço a voz de seu Domingos: “Precisamos de união, precisamos de um espaço”, era a frase com desejo de não desistir. Ainda houve tempo antes da comida para a observação: “não estamos só pela fé e pela comida. É preciso que estejamos juntos por todas as lutas que temos”, destacou dona Conceição. Nessa hora, trechos da música do Titãs me vêm rápido à cabeça: “A gente não quer só comida, diversão e arte (...) A gente quer inteiro, não pela metade”.

Entre um prato de sopa e outro, entre um pé de galinha e uma moela, muitas risadas, falação e por vez o outra um comentário. “A tua vez é a próxima Evandro”, um convite - quase obrigação - ao jovem ali presente. Apesar de saberem que a próxima festa não será a vez de Evandro, todos ali mostram ao jovem morador local a sua responsabilidade de um dia comandar a festa histórica na comunidade. Depois dele, alguns anos depois quem sabe, a Maria filha da Ivia e neta do Ivo também seja a rainha, assim como outras crianças da família e da irmandade que hoje ainda chega a Penha e Itajaí. As crianças ainda são poucas, mas são elas o futuro da festa na nossa comunidade.

Antes de entrar no carro, Rosa comenta quase sem querer que era seu aniversário naquele dia e estava feliz em estar ali. Logo ela que faz mestrado na UFSC e sua dissertação é justamente uma maneira de registrar e buscar a história da festa da cidade e transformar essa pesquisa num plano de atividades para o ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas locais.  Ao cumprimenta-la pelo aniversário, me vem na memória a minha mãe, que eu não tinha certeza se fazia aniversário na mesma data. Depois confirmei que sim.

São as amarras da vida quase invisíveis que nos levam a seguir caminhos que se cruzam e se completam. Rosa e eu e todas as muitas mulheres estão ligadas à Festa de Nossa Senhora do Rosário por vários caminhos. Os tons de pele que nos afastam e nos definem jamais determinam por onde queremos seguir e como podemos pensar, unidas pelo ideal de manter a Festa de Nossa Senhora do Rosário como patrimônio imaterial de nossa cidade e, pra sempre, na memória de nossa gente.


TEXTO PUBLICADO NA ANTOLOGIA DA ALBSC BALNEÁRIO PIÇARRAS "Memórias Nossas" 2024

 

quinta-feira, outubro 15, 2020

Aos mestres!

         A gente sabe que dia do professor é todo dia, assim como do pai, da mãe, enfim...não deveria haver dia pra isso ou aquilo. Mas, como há, a gente se percebe também refletindo sobre o significado daquela profissão que nos cabe homenagear no dia. Hoje, dia do Professor, poderia aqui lembrar de todos os meus professores queridos. Tive muitos, muitos deles muito significativos. Uns ainda vejo nas redes sociais, muitos tornaram-se amigos. Outros, apenas uma linda lembrança. Citar todos seria injustiça com aqueles a quem a memória anda me traindo.

         Hoje, então, resolvi refletir sobre como me tornei tão ligada a esta profissão, ainda que não tenha como formação ser professora. Minha mãe foi professora. E, dizem, das boas. Pra mim, ensinou muito no pouco que lhe foi possível. Morei na adolescência com a Lídia e o Oscar, dois professores e tanto!! Mas, foi nos anos de 1989, 1990 e 1991 que minha relação com o magistério me marcou. Fui estagiária bolsista na Educação  Infantil do Colégio de Aplicação da Univali - CAU, onde eu já cursava o Ensino Médio. Não pude fazer o magistério, porque  o curso recém tinha sido suspenso na instituição. Mas, fui ser assistente do CAU. Aprendi muito com as professoras Valéria, Meri, Josiane, Roberta...uma primeira fase de amor pelos pequenos. Não me perguntem porque não fiz Pedagogia.

         Eu não sei. Escolhi ser jornalista, e não me arrependo! Mas, de lá pra cá, não houve nenhum momento que eu não estivesse ligada às crianças e à escola. Fosse nas reportagens sobre os conselhos da criança, na APP junto com outros pais, nos conselhos escolares, Escola de pais, Proerd de pais, nas palestras com meus livros e sobre os pássaros do meu quintal, nas campanhas de troca de armas por livros , nas exposições de poesias e fotos antigas. Enfim, a escola como instituição sempre foi um lugar de redescoberta, de afetos, de paixão pra mim. Hoje trabalho numa escola, ainda que na secretaria dela. Uma escola de educação especial, onde me sinto realizada. Mas, eu mesma me pergunto porque nunca fiz um curso para dar aulas! Quem sabe um dia!

        De toda forma, a escola é, e sempre foi pra mim, um local de grande aprendizado, o dos livros e o da vida. Não me sinto uma professora, apesar de ficar feliz quando me tratam como uma. Fico é agradecida, sempre, por todos os professores do meu caminho. Mesmo os que pouco souberam ser professores, mesmo estes me ensinaram muito. Obrigada a todos! Aos professores da APAE, meu reconhecimento pelo lindo trabalho de amor que realizam. Parabéns, vocês me ensinam todos os dias!

quarta-feira, novembro 20, 2019

A poderosa arte de benzer

Hoje foi dia de Encontro de Benzedeiras na cidade. Um momento pra lá de especial que me fez refletir sobre muitas coisas. Uma delas eh: o que separam benzedeiras, curandeiros indígenas, passistas espiritas, reikianos, massagistas, pastores que ungem e padres que benzem? A resposta pode parecer simples: as crenças religiosas.
Todos, na verdade, que fazem a "cura" pela mãos empregam doses de amor, fé e muita caridade, ainda que alguns cobrem por isso. Pois bem. Não há diferenças essenciais. As diferenças estão na cabeça de cada um e na forma como usam seus conhecimentos. As benzedeiras se valem da cultura popular oral, que passam de pai pra filho ou pela observação de alguém próximo, ainda que eu ache que todos tem dons especiais para.isso. Os pastores e padres se empoderam da crença de que estão de posse do poder do espírito santo para sarar os fiéis ou "exorcizar" os " demônios". Os passistas espiritas ou os pais e mães de santo umbandistas usam suas mediunidades para contribui com a cura, com ajuda de guias e mestres do plano astral. Já reikianos, acumpunturistas, massagistas  e os demais terapeutas holisticos buscam conhecimento em livros, estudos e muita ciência. Ainda que a religiosidade possa andar, e ande, de mãos dados com as técnicas comprovadas cientificamente.
A cura proporcionada, na verdade, eh fruto da fé, do merecimento e de algo que eh fundamental para todos: o amor pelo que fazem. 
O amor cura tudo e independe de religião.  Se tua fé religiosa exclui o amor, independente de como ele venha vestido, cantado ou "aplicado", pode não ser uma fé amorosa e portanto, pouco efeito terá.
O amor é o que transmuta todas as energias. Ele é que tem poder de curar. Quando me perguntaram se eu já tinha me benzido, disse que não. Mas, na verdade, me benzi no momento que conversei e acolhi ao meu lado a benzedeira do interior, quando a abracei e senti todo seu amor pelo que faz. Fui benzida no momento que encontrei e abracei com amor e boas energias, hj na rua, uma amiga que só vejo pelo Facebook, mas que me eh cara e por quem tenho imenso respeito. O amor nos protege, nos alivia, nos ampara. O amor nos cura as feridas. Se ele vem com uma dose de boas energias, espiritualidade e fé das benzedeiras ainda melhor!! Mas não é só o que há.
Outra reflexão eh que sempre comentei (hj mesmo antes do encontro falei isso) que as benzedeiras estão morrendo e não estão passando seus legados de fé e conhecimento oral para as novas gerações. Mas, hoje, eu percebi que estou enganada. As novas benzedeiras e curandeiras estão aí, ao nosso lado, mas como tudo na vida moderna sofreram mudanças na forma como se apresentam. Podem não ter o galho de arruda, a caneta, o terço ou qualquer outro objeto na mão, podem não falar as frases feitas, as rezas antigas, não ter a sabedoria do passado. Mas estão aí: misturando ciência e religião em busca da cura, da transmutação de energias para o bem! São as benzedeiras do futuro, dançando, impondo as mãos, cantando ou amando de outras formas, com outros gestos, com outras falas. As de antes, vão estar sempre registradas na memória e agora quem sabe em livros e vídeos. As de agora, estão nomeadas de muitos nomes, em muitos lugares. Vida longa às benzedeiras e aos benzedores, os de ontem e os de hoje! 

terça-feira, julho 03, 2018

O que é uma boa ação?




Desde pequena, escuto em casa a ideia de que é preciso, sempre que se puder, fazer uma boa ação a alguém. Mas, a gente constantemente se pergunta: o que é uma boa ação? Quando bem pequena, uma das lições que aprendi com a minha mãe (e talvez tenha sido a última dela viva) foi que: era preciso comer tudo do prato, não desperdiçar comida nem reclamar do que se tem, porque muita gente gostaria de ter o que a gente tinha. Ela me mostrou isso, e eu aprendi vendo. E isso se tornou pra mim uma forma boa ação, ser grata pelo que se tem e ainda não desperdiçar, ajudando a minha família.

Há, no nosso dia-a-dia, muitos mestres da boa ação escondidos na rotina de nossos dias, invisíveis na correria do dia-a-dia. Por isso, agradeço todos os dias ter que andar a pé pra lá e pra cá. Tá bom, nos dias de chuva não agradeço tanto assim (hehehe)... mas deveria. É nesse trajeto todos os dias que aprendo muito. É só querer perceber.

Hoje, um senhor do meu bairro passou por mim de bicicleta numa velocidade razoável. Logo à frente, ele retornou e parou ao meu lado dizendo: “tem gente que é maldosa, né?” De certa forma me assustei. Parei para entender melhor o que ele dizia. Ele desceu da bicicleta e começou a afastar todos os enormes pregos que tinham jogado no asfalto. Com simplicidade ele disse: - “Isso é um perigo. Se o carro passa, os pregos levantam e furam todo o pneu”. Concordei e disse a ele que eu nem tinha notado os pregos ali. E não tinha mesmo! Mas, se tivesse notado, teria eu tirado?

O senhor fez uma grande boa ação. Na hora pensei que ele poderia estar mesmo era protegendo-se de passar ali e também furar o pneu da bicicleta. Logo, porém, refiz meu pensamento. E daí se ele tivesse pensando em si? Por certo não estava, porque já tinha passado. Ele voltou e pensou nos outros que poderiam passar e também se prejudicar. Fez uma boa ação. Outro dia, uma amiga teve o pneu furado justamente por um prego desses. Agradeci a lição daquele senhor.

Chegando ao trabalho, vi a nossa colega da limpeza com uma pá percorrendo a calçada, no entorno dos carros, limpando os cocos que os cachorros deixam a noite ali. Estava ela pensando que, se alguém pisasse e entrasse na escola, poderia sujar tudo e ela ter mais trabalho pra limpar. Sim, pensou primeiro em si. Mas, de qualquer forma, fez a boa ação porque se a pessoa pisasse na saída ela não teria o trabalho, mas a pessoa que levasse o coco no sapato sim. Segunda lição do dia.

Não importa que tipo de boa ação você fará aos outros ou a si mesmo, desde que seja verdadeira e mude seu dia e o de outras pessoas para melhor. Faça. Não espere grandes transformações, não espere momentos certos para que você modifique seu cotidiano para melhor. A boa ação está onde a gente quiser. A lição, claro, não é tão simples quanto fiz parecer. Mas o que é a vida senão grandes aprendizados em pequenas e duras lições?!

segunda-feira, julho 02, 2018

O bom dia de todo dia


Quantos de nós já pararam para pensar na importância de um cumprimento de bom dia? Esta semana parei pra pensar nisso. Todos os dias, há mais de um ano, eu faço o trajeto a pé de casa para o meu trabalho pela manhã. O trajeto é relativamente curto, mas dá pra observar muitas coisas nesse simples percurso matinal. Observo a natureza, os pássaros, as pessoas e a própria cidade.

Passo pelos mesmos carros que seguem para levar os filhos à escola e à creche perto de casa. Os mesmos pais com filhos que de bicicleta ou a pé percorrem vários metros ou até quilômetros para garantir uma ida segura dos filhos à escola. Tem o pai e a mãe que levam os filhos pequenos de carroça, o que me faz sempre pensar que são dignos de todo o nosso respeito porque superam preconceitos todos os dias. Há ainda aquelas crianças e jovens que passam por mim indiferentes. Uns por não me conhecerem, outros porque já se acham grandes demais para cumprimentar aquela escritora de livrinhos infantis que doou seu livro a eles quando pequenos. Sim, tem outros jovens que me cumprimentam: uns por respeito, outros porque me conhecem, outros porque talvez ainda lembrem do meu incentivo quando jogavam futebol com meus filhos.

Mas, nesse trajeto de casa para o trabalho, todos os dias (e que não leva mais de 10 a 15 minuto), passo por três pessoas todos os dias, três mulheres bem diferentes uma das outras, e que são elas que me levam a esta reflexão. Passo por elas quase todos os dias, e talvez por isso nos acostumamos a dizer bom dia umas para as outras. As três vêm em sentido contrário ao meu, às vezes pela mesma “calçada”, outras vezes por lados diferentes da rua. Mas, nunca, deixamos de dar bom dia. Hoje, especialmente, só encontrei duas delas. E isso me trouxe a reflexão.

 Não conheço essas mulheres e talvez elas também não façam ideia de quem sou. Não sei o nome, de onde vieram, onde moram, o que passam no dia a dia. Sei que trabalham em fábricas de peixe porque já vi entrarem para trabalhar. Uma delas eu sei que têm filhos, porque por vezes eles vão junto com a mãe até parte do caminho para a escola, ao lado da minha casa. Mas, não sei seus sentimentos, não sei o que significa a elas esse bom dia de cada dia. E o que significa pra mim, afinal? Cabe uma reflexão maior sobre isso, afinal, dizer bom dia às pessoas não deve ser só um sinal de respeito, de boa educação. O bom dia de cada dia deveria levar consigo toda uma energia boa, todo um desejo de que aquele dia seja um dia bom, verdadeiramente, para cada um de nós.

Não sei o que elas sentem com meu bom dia. Nunca perguntei e talvez nunca tenha a chance de perguntar. Eu sei que, quando não as encontro pela manhã, o dia parece que falta algo. Falta o bom dia dado e retribuído a essas mulheres lutadoras como eu, mas que têm o bom dia e o sorriso nos lábios todos os dias para retribuir. Bom dia!

sexta-feira, outubro 28, 2016

Novos Rumos

Há na vida
tantos rumos
que nos cabe atravessar
tantos muros
fora do prumo
que o certo mesmo
é pular
há na vida
tantos sumos
para da vida sugar
tantos gostos, expostos
falta é tempo pra
saborear
E se nos falta a certeza
de como começar
recomeça, a cada instante
nosso desejo de estar
sempre presente
rente
às portas do amar.

terça-feira, agosto 30, 2016

Os pássaros raros no meu jardim!

Hoje acordei e não vi a mariquita de perna clara no quintal. Seria o 50º dia de avistamento da ave que migrou da América do Norte até Balneário Piçarras. Será que foi embora? Foi quando me dei conta que os filhos são como pássaros raros no nosso quintal. A comparação pode não fazer sentido para a maioria das pessoas, mas quem gosta de passarinho e quem compreende a vida além da vida pode entender o que digo.
Quando um passarinho que vem de longe te visita, num momento raro, você se pergunta: Porque ele esteve aqui, justo no meu quintal? Foi acaso? O que Deus quer me dizer? Assim é com os filhos. Quando eles nascem também nos perguntamos porque eles vieram pra mim? O que Deus espera de mim? Porque estes seres estão aqui comigo?
E o pássaro raro no meu quintal me ensinou muitas outras coisas além do conhecimento de seu voo, sua jornada, sua raridade por aqui.  Você sabe que ele está ali, diariamente, pra te encantar. Você se maravilha a cada dia com seus pulinhos, seus pequenos voos, como se movimenta, como se alimenta. Espera todos os dias que ele cresça, que te encante ainda mais. Mas é um misto de alegria e de certa dor. Primeiro, porque ele nem sempre desce na árvore que você quer, que você esperava para tirar a melhor foto. Ele não faz o que você espera. Ele faz o que acha que tem que fazer. E a pontinha de dor bate pela primeira vez. Depois, porque sabe que aquele pássaro que está ali, sob seus olhar, pode não estar amanhã. Ele pode levantar vôo (e vai), o mais alto que puder, e que talvez parta para sua jornada longa e pode demorar para voltar. E você fica feliz porque ele vai levantar voo. Vai conquistar o que espera. Mas, fica triste. Porque no nosso egoísmo, ficamos tristes com a partida dos passarinhos raros no nosso jardim.
Sim, os filhos são passarinhos raros no nosso jardim. Eles voam, e vêm de bem longe para aqui ficar. Deus os confiou a nós para que possamos olhar por eles, alimentar, cuidar do seu caminho, registrar as melhores fotos, mas deixá-los ser livre. Eles são passarinhos raros que vêm de muito longe, do plano espiritual, chegam bem no seu quintal para te alegrar, mas eles vêm com planos, com sonhos, com tempo certo. Por vezes, não adianta querer que fiquem na árvore que você planeja, porque ele quer outras árvores. Qualquer dia, vão levantar voo, o de curta distância para a cidade dos planos, o vôo do amadurecimento, o vôo da liberdade e responsabilidade da idade. Esse é o voo-aprendizado, tanto para o filho-passarinho que voa, quanto para a mãe que fica, aprendendo a cuidar do ninho sem a presença dos filhotes.  O voo maior, claro, é o voo de volta para terra Natal. Esse, esperamos que sempre demore.
Por isso, a mariquita rara que apareceu no meu jardim, quis me ensinar muito. Ensinou-me a aproveitar sua estadia com o olhar de beleza, de agradecimento, de esplendor. Ensinou-me a registrar os melhores momentos em fotos ou vídeos e mesmo na memória dos dias. Me ensinou que a cada dia o dia é único, e se pode ser o último, que seja intenso e renovador. Não dá pra deixar escapar momentos assim.

Acho que a mariquita já partiu para a América no Norte. Esse era seu destino, e espero que não haja novos contratempos no caminho. Mas, se houver, que aproveite para parar e respirar novos ares. A partida dos meus passarinhos está pra chegar também. Aos poucos, eles já dão sinais de que o voo que esperam é alto e libertador. Aprendo a cada dia com as pequenas partidas, para suportar a saudade da longa jornada. É certo que outros passarinhos raros vão aparecer no meu jardim. Mas, esses que aqui estão, que foram confiados a mim, esses são os únicos da espécie. Esses é preciso olhar melhor, ensinar mais, amar mais, ouvir mais, temer menos. Esses são raríssimos, mesmo assim, um dia levantarão voo. E que ele seja do tamanho e da distância que quiserem. Ainda assim, o meu jardim sempre estará aberto para recebê-los!!!