Sobre Filhos e Filhotes
Por Dani Garcia
Era uma manhã amena de fim de Primavera em Balneário
Piçarras, uma cidade de pouco menos de 20 mil habitantes no litoral deste imenso
Brasil. Pelo meu quintal, dezenas de pássaros comiam, passavam ligeiros ou
apenas descansavam nas inúmeras árvores frondosas que mantenho, apesar dos
constantes conselhos para cortá-las, afinal , dão muito trabalho com folhas,
galhos e um crescimento muito grande.
Olhei pela janela de repente, para escutar mais de perto um
piar diferente, vindo da mata ao lado. Costumeiramente, sempre que um som
diferente de pássaro entrava pela janela ou mesmo pela porta de casa, a câmera
era acionada rapidamente e eu partia para o jardim, ávida por mais registros
especiais. Desta vez, olhei primeiro antes de pegar a câmera, e eles estavam lá.
Dois jovens sabiás-poca pulavam aqui e ali sobre a grama aparada.
Ao aparecer na janela eles se entreolharam rapidamente, e me
olharam ressabiados. Não se moveram, não fizeram sequer um movimento brusco ou
um voo impensado. Ficaram ali, com aquele olhar de lado, me observando e
esperando por mim. Sabiam os dois voar, podiam ter feito isso, mas se
arriscaram a ficar ali, com o coração pulsando forte e desafiando o perigo que
eu podia lhes oferecer. Não vi os sabiás
adultos, talvez nem estivessem por perto.
Saí de fininho, peguei a câmera e voltei com ela já preparada para o registro. Olhei de leve na janela. E eles ainda estavam lá, um pouco mais à frente, mas ainda pulando, ciscando algo perdido no jardim. Me olharam, ficaram imóveis por um tempo e voltaram aos afazeres de comuns pássaros ‘adolescentes’.
Saí de fininho, peguei a câmera e voltei com ela já preparada para o registro. Olhei de leve na janela. E eles ainda estavam lá, um pouco mais à frente, mas ainda pulando, ciscando algo perdido no jardim. Me olharam, ficaram imóveis por um tempo e voltaram aos afazeres de comuns pássaros ‘adolescentes’.
Ao olhar pela última vez esses dois filhotes, lembrei dos meus. Não estavam em casa no momento, já
sabiam voar para longe para as brincadeiras e passeios de adolescência. Um frio
danado me passou pela barriga. Uma dor aguda que só as mães sabem sentir.
Percebi que também eles poderiam, muitas vezes, ser os sabiás jovens da vida.
Estarem longe de casa, desafiando o perigo sem se importarem com as consequências.
E eu, distante, talvez nem soubesse por onde andavam ou voavam. Um necessário
livre arbítrio que aprendemos a conferir-lhes com os anos - a duras penas-, mas
que não nos cansamos de querer reeditar a nosso gosto.
Lembrei das sábias palavras de Rubem Alves, quando decretou
a dor eterna e inevitável das mães. Diz ele que “Amar é ter um pássaro pousado
no dedo. Quem tem um pássaro pousado no dedo sabe que, a qualquer momento, ele
pode voar”. Amo os pássaros, amos os filhos, e essa liberdade que vem com o
amor nos ampara, nos fortalece e nos faz criar raízes profundas e nos causa essa
gestação eterna, essa briga interna constante e avassaladora entre o prender e
o ensinar a voar.
No momento desse último pensamento, o sol deu um brilho
inesperado no quintal, e um pica-pau-do-campo gritou alto, bem abaixo da jabuticabeira.
Ficou ali, ciscando e comendo nem sei o quê. Era o chamado da vida para a realidade.
Tomei fôlego, dei um suspiro, peguei a câmera e fui registrar o pássaro. Era
mais um, das dezenas de registros que já fiz dessa espécie. Mas, não importa!
Não era esse pica-pau, não era nesse momento especial, para humanos e aves.
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